Vivemos em uma cultura. O modo de agir, pensar, as
classificações abstratas que colocamos em todas as coisas. Essa cultura é
necessária para nos dar um sentido. É a coisa supérflua mais essencial entre
todas as coisas supérfluas. Não realmente precisamos dela para viver. Mas
usamos ela para atingir um falso senso de completude. Eu não acredito que um
ser humano possa atingir completude de fato. E somos seres sociais. Dependemos
do outro. Por que dependemos do outro, em nós foi se desenvolvendo um avançado instinto
social, que hoje chamados de moral. Regrinhas não-faladas que regem nosso
comportamento para com os outros. Basicamente falam sobre a liberdade de um
terminando onde a do outro começa e vice-versa, sendo que todos devem ter o
mesmo nível de liberdade. Uma manifestação mais física dessas regras se dá nas
leis. As leis são uma maneira de enfatizar o convívio, tentar assegurar que nem
uma pessoa vai prejudicar outra. Eu falei isso tudo pra explicar que eu
respeito e aceito cultura, mas o tema não é ela em si.
E sim como, por necessitarmos estar inseridos nela, acabamos
nos colocando dentro de estereótipos. E às vezes tudo bem, por que algumas
vezes isso é uma coisa natural, às vezes o que parece um estereótipo de fato o
é. O problema é quando somos alguma coisa que na verdade não somos só pra nos encaixar.
Afinal, nós excluímos o que está fora do ordinário.
Nós mesmos nos prendemos. E é compreensível, vide a
necessidade da socialização. Mas acontece que o peso disso é às vezes
aterrador. Eu acredito que a pressão de tudo isso é o que muitas vezes leva a
males psicológicos, como a depressão e até o suicídio. O sentimento de
inadequação se equivale ao de impotência, de incapacidade na nossa sociedade,
por que aqui uma coisa pode estar diretamente conectada à outra.
Eu gosto de exemplos, então eu vou dar um. Não é o exemplo
mais extremo dessa influência, mas é um bom exemplo, um exemplo interessante.
As mulheres são sexualizadas, e elas viram isso a seu favor, usando roupas
decotadas. Isso, por sua vez leva a uma objetificação que permite o sentimento
de posse que leva à violência. Além de que é mais uma coisa que torna mulheres
culturalmente diferentes de homens, permitindo o estabelecimento de uma relação
de superioridade entre homem e mulher, quase sempre o homem se considerando
superior. Mas mesmo quando a mulher é considerada superior, isso não é
benefício pra ela. Um homem possessivo pode alegar (e o faz) que é possessivo
justamente por que dá valor à mulher. E, também, a sexualidade acaba sendo uma
maneira de destacar o poder da mulher, através da ênfase na feminilidade dela,
dizendo "eu tenho orgulho de ser mulher". Eu já fiz
um post sobre
feminismo. O meu exemplo é que aos homens é negado o "ser sexy". E
não é uma negação dita. Esse é o valor do meu exemplo, o de ser uma coisa
cultural, subentendida. Os homens até usam de sexismo, roupas coladas e
músculos à mostra. As HQs são uma mostra extremamente exagerada disso. Mas,
ainda assim, a sexualidade masculina não é vista tão naturalmente quanto a
feminina. Sempre há um algo de sensação de ridículo se a sexualidade masculina
é levada ao ponto em que a feminina vai. Os próprios homens não se sentem tão à
vontade. É uma das coisas que a cultura acaba privando. Por que eu imagino o
quanto deve ser intenso o senso de empoderamento de uma mulher ao se vestir
e se sentir bonita, sexy e poderosa. Esse poder é negado à ala masculina. A
sexualização da mulher é muito criticada, e é realmente machista, mas não posso
deixar de pensar no fato de que isso se tornou importante para as mesmas. As
mulheres gostam de se sentir desejadas. Apesar do machismo distorcer isso e
colocar a sexualidade da mulher como uma justificação para sua objetificação.
Não é visto ou falado que o lado de sexismo masculino é praticamente inexistente,
negado não-verbalmente. Você, homem, não pode
querer se sentir sexy, ou
o ser, por que isso seria ridículo. E mais, seria gay, já que a sociedade vê
gays como homens-mulher, novamente colocando o sexo como algo feminino. Os
homens não podem, culturalmente, usar de sexualidade.
Isso é apenas um ínfimo exemplo, um de muitos. Eu não quero
criticar a cultura ou a sociedade, apenas como estamos presos a ela, como nos
deixamos manipular por algo que nem é real. A cultura é um acaso que acontece,
uma evolução natural e aleatória das coisas, ela não reflete os desejos de
alguém ou mesmo da sociedade. Ela não reflete o que é certo, o que é óbvio ou o
que é básico. Ela é só uma coisa. E mesmo assim, consegue mandar, mesmo sendo
abstrata. Mesmo sendo absolutamente supérflua. Ainda assim, podemos deixar de
fazer algo que queremos, talvez até queríamos muito, fazer. Por nada. E
principalmente por que, a despeito de sua efetiva irrelevância, a cultura
realmente rege como as outras pessoas reagem ao nosso comportamento. E eu acho
isso uma covardia, uma fraqueza. Uma fraqueza, que nos deixemos reger assim por
algo inexistente. Uma fraqueza tanto da parte de quem deixa de fazer algo que
quer fazer quanto da parte de quem julga os que tem a coragem. E uma fraqueza
gigantesca.