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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Dia em que a Igreja Trouxe o Inferno para a Terra - 003

O Dia Que o Diabo Gostou
Parte 1 - Como Essa Igreja em Particular Age
Narrado por Gervásio
Eu estava lá. Onde e quando tudo começou. Muitos podem chamar isso de sorte, ser parte de algo grande, capaz de mudar uma grande parte do mundo. Pelo menos eu pude tentar fazer as coisas serem diferentes. E eu não consegui. E só posso me culpar por isso em alguns momentos, porque no resto dos momentos, existe uma luta que alguém tem que lutar.

Ele estava lá, no palco da igreja, gritando sobre pecados. E o que acabou sendo considerado o maior pecado foi o que ele disse a seguir. A frase completa foi:
_ Eu dormia com homens, aproveitando-me de prazeres carnais impuros. Mas... na verdade... eu nunca fui gay. Porque se não eu não estaria aqui, não é verdade?
Tentou um sorrisinho, era pra ser uma piada, as pessoas estavam chocadas demais pra perceber.
_ Se eu estou aqui agora é porque eu só estava experimentando. Não existe algo como 'cura' para ser gay. Então eu sempre fui hetero.
Alvoroço. O pastor tomou o microfone da mão dele. Pessoas que diziam-se amigas dele antes o seguraram. E o pastor trocou tudo o que ele disse por:
_ Você está enganado, jovem. Está porque você foi curado.
Eu era quem devia estar enganado. Porque naquele momento eu tive a impressão de que o homem que falava queria cultivar o ódio porque isso atraía as pessoas que o sentiam. Que todos que estava ali estavam ali não por Jesus, mas pra ter apoio em suas opiniões de ódio.
Pior foi o que aconteceu depois e eu só vim a saber muito tempo depois.
O pastor, para punir o rapaz, mandou darem uma surra nele. E ordenou que o dono da loja em que os pais dele trabalhavam, que fazia parte da igreja, os despedisse. E então, ele subiu ao palco e disse que era uma punição de Deus pelo falso testemunho do jovem.
Eu fui falar com o pastor.
_ Pastor, você não acha que os seus atos só trazem ódio para o mundo?
_ Você não acha que essas criaturas precisam ser eliminadas custe o que custar?
Eu não acreditava no que eu estava ouvindo.
_ Esse mundo já é cheio de desespero, tristeza e sofrimento. Porque trazer ainda mais dessas coisas?
_ Você só está fraquejando. Você vai ver o mundo lindo que podemos criar.
_ Não. Só paz pode trazer felicidade. Nós não podemos conseguir algo bom sem merecer.
_ Exatamente, Gervasio. Vamos merecer escorraçando esses seres da nossa sociedade Cristalinense.
_ Nesse caso, eu estou fora da igreja.
E eu saí. E eu nunca mais voltei. Não havia lugar pra mim onde a vida não era o mais importante, mas a crença.
Quando eu estava de saída, um jovem colocou o pé para eu cair e eu acabei caindo. Neto. Eu já tinha ajudado a mãe dele olhando-o quando ele era bebê para que ela pudesse trabalhar. A igreja caiu na risada e alguns o apoiaram. O pastor não fez nada. Eu saí dali sentindo como se estivesse saindo do inferno. E talvez estivesse mesmo.
Enquanto essas coisas aconteciam, Naira conversava com seus mentores do grupo Gaea. Ela dizia que as coisas estavam indo como planejado, ódio estava surgindo, sacrifícios para o demônio logo seriam feitos.
E as pessoas da rua do jovem Ric, que iam massivamente a essa igreja, estavam ficando inquietas com o gay de sua rua e seus amigos gays. Demonstrações públicas de desafeto já estavam começando. Xingas. Olhares feios. Ric ficava quieto mas sentia que não estava mais seguro.
O rapaz da minha igreja, Neto, era gay, hoje eu sei. Ele já estuprou um colega de escola uma vez. Tudo fita com essa teoria. E, bem, não pode ser atoa que ele atraiu um gay em uma balada GLS. Um jovem desesperado por amor e carinho vindo de uma cidade pequena, disposto a arriscar tudo. E depois de Neto ter tido todo o prazer carnal que queria e não admitia, ele se enfureceu consigo mesmo e matou o jovem a pancadas num beco escuro e úmido.
E por mais incrível que pareça, ele correu para o que devia ser o único lugar onde isso nunca poderia ser aceito. Ele foi par a igreja se confessar, ainda sujo de sangue. E o pastor e outros membros o disseram que estava tudo bem, que não era errado limpar o pecado, que eles o iriam proteger. Esse foi o verdadeiro começo.
Continua

4 comentários:

  1. Muito interessante.
    Adoro o seu jeito de usar de analogias para expor a realidade. Esse sua história bate muito com o que acontece de verdade na sociedade.
    Muitos poderiam dizer que é uma alusão muito extremista. Eu acho que não. Crimes como esse acontecem todos os dias, infelizmente, e às vezes, a Igreja é um lugar onde se dissemina ódio coletivo. Pq não? Ela foi criada por homens, e não por deus. Ora ou outra, ela sucumbe aos desejos e aspirações humanas. Não há nada de divino nas igrejas. Ao menos não nas instituições. Parabéns pela escrita ímpar. E ha, tem muitos nomes afins com os personagens de Jovem Vampiro, neh?

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  2. Realmente coisas horríveis assim acontecem na vida real. Não consigo entender. Vi essas coisas num jornalístico da TV e decidi que eu precisava tentar dar meu pitaquinho e tentar mudar isso pelo menos um pouco. Pelo menos tentar. Eu acho que religiosidade exacerbada é algo muito perigoso.

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