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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Dia em que a Igreja Trouxe o Inferno para a Terra - 004

O Dia Que o Diabo Gostou
Parte 2 - Alex e Neto
Narrado por Evelyn
Meu nome é Evelyn, meu filho, Marco é um homossexual. E eu o amo, assim como eu amava toda a minha família. Até o dia em que meu marido decidiu sem motivo nenhum que Marco não era mais digno do amor dele. Foi o dia em que Marco se descobriu e, numa demonstração de confiança incrível, nos contou sobre sua sexualidade. E Dório traiu essa confiança. Dório, que era o próprio pai dele. Dório muitas vezses bateu em meu filho e, quando percebeu que isso não iria mudar nada, expuslou-o de casa. Para defender meu filho, eu me separei do meu marido. Eu sei que Dório culpa meu filho por ter separado a família por que ele não é capaz de ver, cegado pelo seu ódio, que ele mesmo é o culpado. Mas eu não estou aqui apenas para falar de mim. Vamos aos fatos.
Contra a crença comum de que a única coisa que os gays sabem fazer é ser gays, meu filho estava com o namorado dele, Ric, e a amiga Alexandra vendo um filme no shopping. Um desses filmes de terror absurdos que os jovens adoram. Esse foi o dia em que eu me tornei parte do que estava por vir, cada vez mais perto.
Neto era um jovem muito influenciável pela igreja, criado por uma família amorosa, mas que cultivava o ódio em seu seio. Essas contradições acontecem. Neto já havia espancado até a morte um moleque gay numa boate da cidade grande. E como pra mim ficou claro na sequência de eventos a origem em não-auto-aceitação do ódio do rapaz, imagino que ele já deve ter visto dois homens se beijando em algum lugar, sentindo curiosidade e tentação com isso, mas como foi ensinado que isso é errado, ele passou a considerar isso como um perigo a si mesmo e algo que precisa ser exterminado. Seria horrível se descobrissem que ele era gay. Assim como seria horrível para Victer, que não era gay, se descobrissem que ele não tinha nada contra gays, então, pra todos os efeitos, ele tinha tudo contra eles. Em pensar que meu filho poderia morrer sem ter feito nada contra ninguém...
Ouvi histórias de que, certa vez, Neto estava conversando com amigos em um fórum da internet exatamente sobre um casal gay de novelas, como era tão errado o que esses 'seres' faziam que nem a TV podia mostrar eles se beijando. Que era tão antinatural que o máximo que se podia mostrar na TV era como os gays eram ridículos objetivos de piada. E isso era verdade. Pelo menos, era a verdade que a mostra de uma realidade incompleta na TV resultava. Era a mentira. Meios que deviam ser usados para aproximar pessoas longínquas estavam servindo pra afastar pessoas próximas.
E o resultado da maneira como esse mundo ensina bem as coisas erradas, perniciosas, e apaga as suas luzes... esse resultado... se deu naquele fatídico dia em que tudo de-repente estava muito próximo para se sentir confortável. Como uma caneta perto do olho. Ric, Marco e Alex, a amiga deles, que era lésbica, só pra constar, estavam vindo do shopping. Foi quando Neto surgiu, provocando eles. Eles tentaram ignorar mas ele não permitiu e, quando ele começou a espancar a garota na frente deles, eles tentaram impedir mas eles eram eres da paz e não sabiam o que fazer na guerra. Quando a polícia chegou, Alex já estava morrendo. Todos estávamos sofrendo. Neto estava fugido. A polícia não estava agindo. Meu filho disse que isso não podia ficar assim. Eu nunca tinha visto tanto ódio no olhar dele antes. Acho que foi nesse dia que o ódio tocou o coraçãozinho dele e conseguiu transformar bondade em algo terrível. Ric se aproximou de mim para me consolar por que Marco não fazia nada além de ficar trancado no quarto. Eu não posso entender por que, mesmo sofrendo as mesmas coisas, Ric manteve sua doçura enquanto Marco transpirava raiva. Talvez esse fosse o ódio guardado em seu coração desde que Dório fez tudo aquilo conosco.
Stevan, que havia discriminado seu filho e visto isso levar a um suicídio, que levou a sua família a se desfazer, viu as notícias sobre as mortes de um rapaz de Cristalina em uma boate gay e sobre Alex. E ele sentiu que algo estava acontecendo. Assim como Gervásio, observando as mesmas notícias. Eles estavam certos.
Naquela noite, um grupo da minha rua veio à minha casa procurar pelo meu filho. Todos estavam armados com tacos e paus. Graças a Deus meu filho estavam escondido na casa de um amigo. No dia seguinte, eu fui sozinha até a casa dos pais de Alex para o funeral. Eu os consolei. Eu os ajudei. Eu realmente os ajudei a passar por isso, e aquilo me fez sentir bem. Talvez eu pudesse transformar minha tristeza em alguma coisa boa. No meio do caos, eu podia ser um farol. Por que o caos estava ali. Aquilo não iria mais parar.
Enquanto eu estava fazendo o almoço para a mãe e os irmãos de Alexandra, eu não tinha visto o pai dela ainda. E eu estranhava o fato. Só muitos anos mais tarde eu vim a saber. O pai dela estava se preparando para cumprir uma promessa que acabara de fazer a si mesmo: vingança. Então era assim que o ódio funcionava. Algumas pessoas eram tragadas por ele. Era verdade que violência gera violência. Eu estava vendo isso acontecer. Um ciclo que, pelo menos de minha parte, iria ser quebrado.
Eu estava morrendo de saudades da minha família. Eu estava lutando com meu ódio pelo mundo, eu não iria deixar aquilo me dominar. Eu precisava ter esperança.
Continua

2 comentários:

  1. Lindo! Lindo msm!
    E sua crítica inteligentérrima aos meios de comunicação, ao modo como eles estereotipam os gays...
    Vc escreve com uma sensibilidade ímpar. Percebe os fatos reais e os metamorfoseia em história. E o que mais o ódio poderia gerar senão clones e mais clones de sua matéria? Vc coloca ele como algo concreto msm, material. E de forma perspicaz...

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  2. ih, tem mto oq discutir sobre como os meios de comunicação retratam os gays, mas se eu fizesse um texto sobre isso seria enormemente enorme

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